O ponto mais famoso para admirar o pôr do sol em Ipojuca, o Pontal de Maracaípe, é chão também de um conflito entre trabalhadores e a família Fragoso, a mais influente da região. O enfrentamento se desenvolve de forma mais intensa há dois anos, desde quando a Agência Estadual do Meio Ambiente (CPRH) emitiu autorização para a construção da barreira de troncos de coqueiro entrincheirados, que o Ibama constatou ter 576 metros de extensão.

Em meio às diferentes versões e narrativas, barraqueiros e o empresário João Vita concordam num único ponto: a omissão da gestão municipal no ordenamento urbano e do comércio popular num dos cartões postais do litoral sul pernambucano.


Esta é a terceira e última reportagem da série Por trás do muro de Maracaípe, que liga os pontos, reconstitui a linha do tempo e revela fatos e detalhes do caso ainda desconhecidos do grande público. A reportagem procurou, em mais de uma ocasião, a prefeitura para saber qual o projeto de disciplinamento do espaço público para aquele ponto da costa. No mês passado, a gestão da prefeita Célia Sales (PP) disse que “estava em diálogo com os trabalhadores”, sem citar o que já havia sido feito. Esta semana, a MZ enviou nova solicitação. A resposta, mais uma vez, foi evasiva. E, de novo, a prefeitura evitou citar nominalmente o empresário.

“Em nenhum momento, desde da implantação do muro de coqueiros por terceiros, foi negada aos comerciantes por parte do governo municipal a permanência de trabalhar na faixa de areia. Reforça ainda que já existe uma lei de regulamentação, para toda a orla do município, disciplinando a atividade dos barraqueiros e que eles podem levar os materiais de trabalho para comercializar pela manhã e retirar tudo ao final do expediente”. A lei a que a nota enviada pela assessoria da prefeitura se refere é, na verdade, um decreto municipal, de nº 485, de maio de 2018, que a reportagem publica abaixo.

Apesar do posicionamento da gestão, barraqueiros reclamam do que consideram ser a ausência do Poder Executivo municipal. “A prefeitura não está dando nenhum suporte. Pelo contrário, está se escondendo, fazendo de conta que não sabe de nada. E nós estamos de mãos atadas. Queremos resolver essa situação para melhorar para nós e para o nosso turismo”, afirma Ugleibson da Silva, 32 anos. Ele trabalha na praia desde jovem e é barraqueiro há quatro anos.


Assim como Ugleibson, são outros cerca de 20 barraqueiros que tiram o sustento de suas famílias a partir das vendas de bebidas e comidas à beira mar no pontal. Segundo eles, a construção e permanência da barreira e as placas que alertam para “evitar problemas”, porque o “muro e cercamento são autorizados judicialmente”, faz com que os turistas fiquem receosos de permanecer e consumir no local. “Está sendo muito prejudicial aqui pra gente. O turista vem, vê a placa, fica assustado e vai pra outra praia ou volta pro hotel. E nós acabamos afetados”, explica o barraqueiro.

MARÉ ALTA VIROU PROBLEMA

A reportagem também conversou com Ana Paula. Ela trabalha como barraqueira no pontal há dez anos. “A gente vê que tudo que está acontecendo aqui é uma omissão grande da prefeitura. Se a prefeitura não quisesse que essa praia fosse fechada, ela também tinha que ter visto e ter vindo nessa área. Mas é uma prefeitura que está sentada. Nem discute a favor da gente, nem discute a favor deles”, afirma.


A realidade do negócio de Ana Paula mudou completamente. Desde que o muro foi construído, o movimento caiu em torno de 70%, calcula ela, por conta da dificuldade de acesso e do perigo de transitar durante as marés altas. Hoje, segundo os barraqueiros, só é possível chegar ao Pontal de Maracaípe pela faixa de areia quando a maré está baixa, por um pequeno acesso pela estrada do Pontal de Maracaípe ou pelo mangue. Nesse acesso, o trajeto costuma ser feito a pé ou de jangada.

“Quando a maré está seca, a gente consegue trabalhar. Mas quando a maré está cheia, ela ultrapassa esses coqueiros. Então carrega nossos guarda-sóis, nossas cadeiras e a gente não tem onde colocar. Já foi prometida uma estrutura de um local para a gente colocar nossas coisas, mas até agora nada foi feito pela a prefeitura”, reforça Ana.

TENSÃO E TROCA DE ACUSAÇÕES

Perder clientes não é o único problema que os barraqueiros enfrentam no pontal. A relação com a família Fragoso é marcada por momentos de tensão e acusações mútuas. Antes mesmo do muro ser construído, Ugleibson conta que mandou fazer uma armação de pallets em frente à cerca que havia no local. Mas diz que a estrutura foi derrubada logo em seguida.


“Eu coloquei à tarde e, no outro dia de manhã, não estava mais. Quando cheguei, o irmão dele [Marcílio Fragoso] já estava no local esperando pra saber de quem era a barraca. Ele me chamou para conversar na pousada dele e alegou que foi ele, junto com a prefeitura, que tirou minha barraca. Mas eu questionei: como a prefeitura estava envolvida se foi tirada no horário da noite?”, relembra.

Em 31 de maio de 2023, a MZ publicou a primeira matéria sobre o conflito no Pontal de Maracaípe, quando homens e máquinas pesadas trabalhavam para abrir valas, transportar e fixar os troncos entrincheirados. Em protesto, trabalhadores e moradores de Ipojuca interditaram a via que dá acesso àquele ponto da praia. A Guarda Municipal e a Polícia Militar intervieram, com repressão do Gati (Grupo de Apoio Tático Itinerante). Um barraqueiro foi ferido na cabeça.


Um dia depois, à noite, um incêndio provocado destruiu duas barracas localizadas no pontal. Em entrevista ao Bom dia Pernambuco, da Globo, Rafaela Carla da Silva contou que perdeu tudo o que tinha de material de trabalho, num prejuízo de R$ 30 mil, após ter investido em cadeiras, mesa e guarda-sóis. Na ocasião, ela registrou boletim de ocorrência. Também em entrevista à emissora, João Vita Fragoso negou envolvimento.

EMPRESÁRIO DIZ QUE PRESERVA O PONTAL

A MZ conversou com o empresário no dia 17 de junho para falar sobre as tensões com os barraqueiros. Um mês depois, o procurou para falar sobre o resultado da fiscalização do Ibama, que apontou a existência de infrações e irregularidades ambientais em curso, e da Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Este último órgão multou o empresário em R$ 124 mil por conta da ocupação irregular de cerca de mil metros quadrados de terras da União, com a construção do muro.

A entrevista abaixo foi dada no primeiro contato, antes da publicação da série de reportagem. No segundo contato, quando a primeira reportagem já estava no ar, o empresário desmarcou a videochamada que havia sido combinada entre ele e a reportagem.


“O que eles não admitem é que o pontal tem dono”

“O pontal é nosso há praticamente 50 anos. Meu pai comprou em 1983. Sempre deixamos o pontal muito à vontade para as pessoas visitarem. De uns anos pra cá, antes da pandemia, eu e meu irmão resolvemos fazer uma passarela lá, que vai da beira-mar até o final, onde botamos estacas com cordas de nylon fazendo o local por onde o pessoal devia passar. Tinha uma placa assim: propriedade particular aberta à visitação. Cortaram as cordas, queimaram as estacas. O que eles não admitem é que o pontal tem dono, o problema todinho é esse”.


“Começaram a vender pedaços de terra”

“Antigamente, eram quatro barraqueiros só, que não davam problema. Aí começa a chegar um cara e diz: tu vende o ponto? Pago 80 mil nele. Aí ele deixa aquela barraca e já faz outra do lado. E começaram a vender pedaços de terra que são da área de uso comum do povo. O pontal vem diminuindo ano a ano. Aí eles pegam a barraca para botar para dentro do meu terreno. Vai terminar o pontal deixando de existir. Depois eu vi que estava muito lixo no mangue. Cortavam pau para fazer fogo, defecando no mangue, camisinha, resto de cerveja, lata, isso e aquilo”.

“Derrubaram 300 metros de cerca na força”

“Pedi na justiça autorização para cercar minha propriedade. Inclusive, o mangue. E foi dado uma liminar e eu cerquei. Na primeira vez, eles derrubaram 300 metros de muro na força. Não foi a maneira justa de se conversar. Depois, quando fiz essa cerca, fui visitado pela Secretaria do Patrimônio da União, que me disse: o senhor está 10 centímetros fora da sua propriedade. O que eu fiz? Botei um metro e meio para trás e depois eu vi que a maré vai comendo”.

Mais Infor: marcozero.org

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